sábado, 9 de janeiro de 2010

Psicologia nas telas






“UP – Altas Aventuras”


Uma das definições possíveis para a pessoa aventureira: “Um aventureiro é uma pessoa que baseia a sua vida ou a sua fortuna em atos arriscados.”

A aventura é normalmente associada aos esportes radicais, que oferecem risco físico e psíquico. Provocam tanto a sensação de medo como a vontade de superação dos limites internos e externos .

Tanto o medo quanto a coragem são apreciados pelas pessoas que praticam esses esportes. O medo pode paralisar ou ser vivido como uma oportunidade de superar os próprios limites e essa dinâmica pode fazer parte da vida de qualquer um de nós, no cotidiano.

Os esportes radicais são muito apreciados, mas vale lembrar que estas atividades envolvem planejamento, equipamentos específicos, fabricados para minimizar os riscos. Podemos marcar o dia e a hora do evento, contamos com pessoas treinadas, locais previamente escolhidos e relativamente seguros. Sabemos que aquela sensação irá durar determinado tempo. Podemos controlar as variáveis.

Há um outro lado do conceito de aventura, vivido pelos personagens do filme, que diz respeito a aventuras relacionadas às relações humanas, aos vínculos que estabelecemos ao longo da vida.

Não há como calcular os riscos envolvidos em uma relação, eles são muitos e diferentes. Como cada relação é como se fosse a única, tendo em vista que pessoas diferentes geram dinâmicas, vivências e despertam sentimentos diferentes, esses riscos podem não ser tão bem dimensionados . Não podemos prever nem o dia, nem a hora e nem adquirir os equipamentos necessários para eventuais surpresas, no que diz respeito a ataques invasivos ao nosso mundo interno .

Algumas vivências amorosas ou vínculos muito fortes de amizade (sem falar no materno e paterno!) podem gerar, dependendo da estrutura psíquica, um efeito tão devastador que podem fazer com que a pessoa elabore tantas defesas que penetrar novamente em seu mundo interno será um desafio.

Há outras pessoas que experimentam uma “morte em vida”, fechando qualquer possibilidade de vivenciar novamente uma dor tão grande e, consequentemente, não experimentando o lado bom da aventura.

O amor pode oferecer um grande risco e uma grande inspiração. Após sofrimentos profundos, é preciso muita coragem para baixar as defesas, relaxar e permitir que outra pessoa se aproxime daquilo que é mais “nosso”.

Mas, por quê, após machucadas em uma relação, muitas pessoas continuam a procurar, mesmo com novas defesas bem elaboradas, uma próxima relação? As defesas podem ser boas ou ruins. Podem nos afastar do mundo ou servir como um equipamento que nos proteje de riscos “maiores”. Podem ser adequadas ou inadequadas.

De qualquer maneira, fazemos o melhor que conseguimos naquele momento. Porém, temos a possibilidade, durante um processo de terapia ou de situações terapêuticas, de adequar nossas defesas a nosso favor, à nossa medida.

Existem pessoas que passam a vida sem conseguir esse relaxamento necessário para viver uma nova aventura, ficam apenas com uma fatia da vida. Mas, há aquelas que insistem e têm esperança de que algo muito bom seja vivido novamente. A esperança dessas pessoas não são genéticas, mas oriundas de experiências positivas, de desfechos positivos, que as fazem acreditar no seu poder de interferir no mundo e obter satisfação de suas necessidades.

A dependência relativa, pela qual uma relação saudável é permeada, pode ser sentida como libertadora, no sentido de aceitarmos nossa condição de incompletude e de que de um modo ou de outro seremos dependentes. Entretanto, também pode ser sentida com pavor.

>> Este texto pode ser inadequado para quem ainda não viu o filme <<

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Altas aventuras

UP – Altas Aventuras é a nova animação da Pixar. Toda plástica visual é muito colorida, alegre, envolvente. A história, de acordo com um ponto de vista, é sobre a relação de quatro pessoas que nutrem seus espíritos aventureiros.

O desenrolar nos mostra como uma aventura pode ser perigosa se direcionada para vaidade, se o sentido inicial der lugar a um outro aspecto da natureza humana, aquele da pessoa que teve seu ego narcísico ferido, ou seja, foi ferida precocemente, emocionalmente. As pessoas que vivenciaram esses traumas caminham pela vida buscando situações onde possam remontá-lo e atribuir novos significados. Dependemos do outro para ser, da confirmação do outro.

Não somos sozinhos e, se alguém, nossos pais no início de nossas vidas, confirmaram e legitimaram nosso ser, nossa existência, de maneira honesta, legítima, sem muitas projeções, desejos individuais, mas a partir de um altruísmo, de uma observação real, não precisaríamos buscar tão vorazmente outra forma de validação no reconhecimento das pessoas ao longo da vida.

O personagem em questão, Charles Muntz, o antagonista do filme, buscou um caminho aparentemente saudável para lidar com sua “sede” de aprovação, de que fosse olhado como uma pessoa especial. Não escolheu ser aventureiro e nem se esforçou para ser um explorador famoso por acaso. A necessidade de ser visto e reconhecido pelas pessoas era mais forte do que parecia e a real motivação estaria relacionada com a falta de reconhecimento.

Onde há falta, há busca. Após ter sido injustamente difamado, ao afirmarem publicamente que uma de suas descobertas era falsa, ele passou a viver do outro lado, “o lado negro da força”, mas ainda com o mesmo objetivo. Sua ética até então sustentada pela sensação de reconhecimento, ruiu. Retirou-se do convívio com as pessoas, pois sem ser admirado, nada mais faria sentido e usou todos os seus recursos agindo de maneira inescrupulosa e cruel. Importante lembrar que para uma pessoa que experimentou a crueldade, exercer a crueldade pode dar muito prazer.

Experimentar como é ser o algoz estando do outro lado. O sadismo está intimamente relacionado com uma infância onde vivenciou o assédio de um sádico.

O Sr. Carl Fredricksen , um homem de 78 anos, vendedor de balões, tem uma história muito bonita. Seu primeiro e único amor foi a primeira grande aventura de sua vida. Ele ainda não havia percebido isso, pensava que uma aventura acontecesse somente em feitos extraordinários. Em toda sua vida, os feitos mais extraordinários não se resumiram na incrível viagem com balões, mas nas relações que corajosamente estabeleceu e que significaram cada ato de sua vida.

Sua relação com Russell, um menino de oito anos de idade, escoteiro/aventureiro, em busca da última medalha que precisava adquirir para virar um “grande aventureiro”, transformou a vida de ambos.

A missão do garoto seria a de ajudar um velhinho, e escolheu (assim como foi escolhido) Carl Fredricksen. Um ajudou o outro de uma maneira inesperada. O garoto viveu com o velho uma relação de confiança, compreensão, reconhecimento, que nunca teve do pai. Esse seria o verdadeiro encontro que estava por trás da busca pela medalha.

No caso de Fredricksen, encontrou a mesma relação, estava disposto a doar-se, embora não tenha tido filhos. A aventura poderia levá-lo a morte, mas, como toda boa história, se surpreende com o que ainda a vida reserva para um velho disposto a viver o que seria sua última aventura.

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por Fernanda Davidoff

Psicóloga com especialização em Psicoterapia Breve e orientação Winnicottiana e colaboradora do Portal “O que eu tenho?”.


Fonte
Psicologia nas telas

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